21 de ago. de 2011

As 1001 maneiras de esfolar um facto


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Num dos debates mais interessantes, televisionado, do panorama filosófico do século passado, sentaram-se lado a lado Foucault e Chomsky.

Foucault disse algo que me provocou uma reticência que dura até hoje.

Por minhas palavras, após Chomsky enumerar vários modos e estratégias de opressão e manipulação das massas, nem sempre óbvios ou facilmente descodificáveis, Foucault contrapõe a noção de que toda a cultura ocidental sempre foi ávida em comprazer-se nas denúncias que faz às formas como ela própria se oprime. Foucault enuncia também a noção de que é mais útil e pertinente enunciar as formas de libertação do quer que seja que oprime, que perder-se na pornografia da queixa, interpretação minha.



O debate desenvolve-se até à noção de natureza humana, se existe, se não existe, e a relação do seu conhecimento para com os fins de utilização desse conhecimento.



Há algo que Foucault não nega, nem pode negar, que é a existência de um mínimo harmónico repetível além indivíduos e culturas, ou seja, existem padrões ou repetições naquilo que seja a realidade humana, não lhe quero chamar 'estrutura' pelo menos para já, obviamente que acredito que ela existe.



Mas existe por seu lado a eterna dialéctica inapreensível do humano, bem como os agentes de 'manipulação e corrupção', a sua existência é até na maior parte das vezes aceite e acarinhada por nós. A sua existência e função estão para 'além do bem e do mal' pois respondem a necessidades e intenções que assim se materializam.

A sua existência e presença são assim estruturadas no conhecimento dessas harmonias e ritmos que se repetem no quer que seja que é o ser humano.

Essas forças sempre existiram desde que o Homem é Homem, e aumentam com a agregação crescente dos indivíduos em massas anónimas seja nas cidades e subúrbios, seja nos grandes públicos hipnotizados pelos meios de comunicação.

Este é o terreno próprio de utilização dos conhecimentos sobre estes ritmos internos (fisiológicos, biológicos e psicológicos)  e externos(psicológicos, antropológicos e sociológicos).



Como Foucault, achamos não só vital e necessário descobrir os caminhos para a libertação mas também pensar nas rotas navegadas até à opressão, e nelas reconhecer a falibilidade da nossa própria condição e o caminho para uma reconciliação com a Natureza, que nos compõe.

Sem certezas absolutas, ou fundamentalismos não porque falte convicção na necessidade do empreendimento, mas porque o real é dialéctico e inapreensível para cada discurso que dele se retira, nem deve ter disso a pretensão.



II

O grande daimôn e o grande demónio do Consumismo



            1955. A economia americana do pós-guerra cresce exponencialmente, vicia-se e estrutura-se em função desse crescimento e começa a  acamar a sua existência, espalhando nesse crescimento a fé optimista característica do american way of life, só ensombrado à distância por uma cortina corrida por uns tipos que se chamam 'comunistas' e que lhes disputam a hegemonia.

Mas o clima é de ocupada progressão industrial e comercial.

Victor Lebow, consultor de marketing, profissional de uma estranha profissão que em pouco tempo será exportada para o Velho Mundo, e para onde quer que exista um mercado, publica um texto  que se chama ' Price competition in 1955', na Primavera de 1955 aparecendo no 'Journal of Retailing'.



Este aparentemente obscuro texto, desta obscura fonte, inaugura uma deliciosa análise do que se tornará paradigma nas décadas vindouras. O que mais fascina neste texto não é o seu carácter profético, a sua inovação conceptual. O que fascina é a sua candura a sua ingenuidade pura, no sentido de não fazer esforço algum em mascarar ou travestir as suas intenções e preocupações, pese embora a atenuante de ter sido publicado numa publicação do seu 'meio' o que claramente faz o seu autor sentir-se em casa.

Na nossa opinião, só superficialmente este artigo foca a competição ao nível do retalho.

Apresenta uma concepção do consumidor, do produtor, do produto e da própria economia que são verdadeiros hinos à época do 'Consumo logo existo'.





a) Neste artigo, 'Price competition in 1955' a óptica do homem de negócios é cristalina, vai haver mais competição porque se testemunham avanços tecnológicos e portanto há um aumento da produção, de mais unidades de produção, ou seja mais unidades a produzir cada vez mais.

Os preços consequentemente baixam, baixando as margens dos produtores, pelo que a única saída é produzir mais, cada  vez mais variadas coisas, criando as necessidades de forma artificial, para que os consumidores absorvam estes produtos, e a eles fiquem fidelizados.



b) Com vigoroso optimismo luterano, há o prenúncio que a competição no retalho, na distribuição retalhista será maior, e que há uma íntima ligação entre as actividades dos produtores, e os padrões de vida dos  consumidores, e que esta relação tem grande importância na variação dos preços da distribuição retalhista.



c) A noção de consumidor aparece com uma teoria social e antropológica simplesmente eficaz, representada pela ideia de que a mais importante característica da atitude com o seu nível de vida, é o simples facto de querer melhorá-lo.

Seja na ascensão social ou na económica, que convergem curiosamente, na mesma necessidade de reflexo através daquilo que pensamos que os outros pensam de nós. É este o impulso, fundamental dominante.

Portanto a sociedade não pode ser igualitária sob pena de se perder este impulso dominante, que é a raiz da mobilidade social e económica, tal qual roda de hamster.



d) O retalho, como parte do sistema que se aproveita e incentiva este dinamismo, vê-se preso na necessidade de manter este gigantesco fluxo de desejos e ilusões sob pena de perder a sua razão de ser, e o tamanho desmesurado, proporcional aos desejos que se incute nas pessoas.

Os custos da distribuição representam a pressão necessária para manter o alto nível de consumo.

«Our economy demands a constantly expanding capacity to produce»

Distribuir é oneroso, só o grande consumo compensa a distribuição, especialmente numa época, em que a maioria dos norte americanos trabalhava nos serviços, em 1955, o sector produtivo apenas ocupava 30 por cento da mão-de-obra disponível.





Qual é a resposta destas necessidades retalhistas de 1955? A televisão e a sua potencialidade de plantar necessidades fictícias na cabeça dos espectadores.



Mas isso fica para outra altura, não perca o próximo episódio que nós também não.

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